O Covid-19 e seus reflexos legais no Brasil

INTRODUÇÃO

Diante da pandemia global declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em decorrência da propagação do COVID-19 por todos os continentes, com a confirmação de inúmeros casos e mortes e com reflexo direto na economia mundial, afetando fortemente o mercado brasileiro, muitas medidas de prevenção são essenciais para que o impacto do vírus na população brasileira seja atenuado.

Segundo recomendações da OMS e do Ministério da Saúde, a prevenção se dá de diferentes maneiras, tais como lavar as mãos com água e sabão ou passar álcool em gel; evitar o contato das mãos com os olhos, a boca ou o nariz; evitar contato próximo com pessoas doentes; cobrir boca e nariz ao espirrar ou tossir; evitar locais com aglomeração, entre outras.

A circulação do vírus tem afetado e afetará a sociedade brasileira e por isso conhecer os reflexos legais nas mais diversas frentes do mundo jurídico, bem como suas possíveis mitigações, será fator imprescindível a todos os atores envolvidos.

 

PRECAUÇÕES NO AMBIENTE CORPORATIVO

Elaborar políticas empresariais sobre as medidas a serem tomadas (por exemplo: Suspensão de viagens internacionais, suspensão de recebimento de visitas internacionais, trabalho em home office por 15 dias para os colaboradores advindos de zona de risco ou que tiveram contato com alguém que veio de zona de risco, home office para qualquer empregado que apresentar qualquer tipo de sintoma).

Elaborada a política, propagá-la:

• Intranet da empresa, de preferência na página de acesso do empregado;

• Envio por e-mail a todos os colaboradores;

• Anexação nos murais das empresas;

• Folder nas mesas do refeitório;

• Alinhamento com Gerentes/Diretores que mais produzem eventos.

Frequência dos e-mails:

• Reforço dos sintomas, formas de transmissão, definição de caso suspeito e orientações de prevenção;

• Acompanhamento do cenário para divulgar novas informações;

• Informações de prevenção;

• Espalhar cartazes com formas de prevenção em toda a empresa;

• Entregar Folders nas entradas das unidades;

• Wallpaper nos computadores;

• Rodar nas TVs dos restaurantes.

Reforço ou criação de pontos de álcool gel:

• Entrada principal e demais locais + cartazes indicativos;

• Auditórios, cantina, cafés, banheiros e demais pontos de grande circulação.

Outras atividades a serem ponderadas:

• Campanha de vacinação contra a gripe;

• Bate-papo com os empregados, por parte da supervisão, orientações de prevenção, sempre em tom antipânico.

 

REFLEXOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Home office

Incluído na legislação trabalhista pela reforma de novembro de 2017, é chamado de ‘teletrabalho’ e encontra previsão nos artigos 75-A e seguintes da CLT, definido como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Para o desenvolvimento do teletrabalho, é fundamental a elaboração de um contrato formal, por escrito, em que constem as diversas situações inerentes à prestação de serviços, sobretudo os custos com o desenvolvimento do trabalho, tais como energia e internet. No caso vivido em razão da pandemia do COVID-19, recomendamos a elaboração de aditamento contratual prevendo a provisoriedade da atividade em teletrabalho, até a normalização da situação. Vale lembrar que o artigo 62, III dispõe que o trabalhador em teletrabalho não está sujeito ao controle de jornada.

Como vantagens, temos a redução do contato interpessoal decorrente do trânsito e do tempo gasto com deslocamento, maior privacidade profissional e menor risco de propagação e contaminação pelo COVID-19.

Ainda, nessa modalidade, é preciso ficar bastante delineado o encargo pela prestação de serviços, ou seja, se a empresa arca com uma ajuda de custo ao empregado ou não, situação esta que deve ser prevista em contrato.

• Para aqueles que não conseguem manter a prestação de serviços fora do posto de trabalho:

Há empresas cujas atividades diminuíram ou paralisaram em razão dos reflexos do COVID-19 em sua cadeia produtiva, bem como é necessário pensar na preservação da saúde do trabalhador. Para essas situações, as empresas têm ferramentas à sua disposição:

Férias coletivas ou individuais

Em que pese a previsão de prazo de antecedência de 30 dias para a comunicação das férias por parte do empregador ao empregado, cabe à empresa comunicar a concessão de férias individuais ou coletivas imediatamente e concedê-las com pagamento antecipado previsto em lei (art. 145 da CLT).

Posição majoritária de nossos Tribunais é a de que o desrespeito ao prazo de 30 dias entre a comunicação e a concessão das férias, violando a regra contida no artigo 135 da CLT, é mera infração administrativa, passível multa pelo Ministério da economia, sem que as férias concedidas sejam consideradas inválidas. Muito embora exista o risco de questionamentos nesse sentido, entendemos que a concessão das férias é extremamente sustentável, desde que acompanhada do pagamento antecipado destas e do terço constitucional. Trata-se de caso de força maior sobre o qual a empresa não tem interferência alguma, e que e visa a proteção não só do trabalhador, mas de toda a coletividade.

Portanto, as férias tendem a ser consideras válidas, com a flexibilização da regra do prazo de comunicação com antecedência mínima de 30 dias.

Importante se observar que as férias coletivas podem ser concedidas a todos os empregados ou apenas a alguns setores ou filiais. Se não for este o caso, as férias devem ser concedidas de forma individual.

Licença remunerada

A Lei 13.979/19 prevê medidas de afastamento, quarentena e restrição de circulação. Em seu artigo 3º, §3º, a referida lei prevê o abono dos dias de falta do empregado em virtude das medidas preventivas acima, para fins de controle da epidemia. Isto quer dizer que o contrato de trabalho dos empregados atingidos pela quarentena ou pelo necessário afastamento, mesmo que não infectado, mas como medida de prevenção, ficará interrompido. Desta forma, o empregado recebe o salário sem trabalhar.

Se a licença for superior a 30 dias consecutivos, o empregado perde as férias proporcionais e novo período aquisitivo se inicia após o fim deste afastamento (art. 133, III da CLT).

Poderá o empregador ajustar por escrito com o empregado que o período de licenciamento servirá como compensação das horas extras antes laboradas ou adotar a regra do artigo 61 da CLT, abaixo explicada.

Como a situação epidemiológica se enquadra na categoria de força maior (art. 501 da CLT), poderá ser adotada a regra contida no artigo 61, p. 3º da CLT, isto é, o empregado interrompe a prestação de serviços, recebendo os salários do período e quando retornar o patrão poderá exigir, independente de ajuste escrito, até 2 horas extras por dia, por um período de até 45 dias, para compensar o período de afastamento.

Suspensão do Contrato ou Redução do Salário – necessidade de norma coletiva (ACT ou CCT)

É possível o acordo coletivo ou a convenção coletiva prever a suspensão contratual (art. 611-A da CLT) ou a redução do salário do empregado durante o período de afastamento decorrente das medidas de contenção da epidemia, com base no artigo 7º, VI da CF c/c artigo 611-A da CLT.

Como a norma coletiva revoga os dispositivos de lei ordinária será possível, ainda, a previsão em instrumento coletivo de compensação dos dias parados com o labor, por exemplo, de 3 horas extras por dia pelo período que se fizer necessário para a completa recuperação do trabalho ou de comunicação das férias coletivas com antecedência de até dois dias antes de sua concessão, alterando a regra do artigo 135 da CLT, etc.

 

REFLEXOS NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS E COM O PODER PÚBLICO EM GERAL

As obrigações de natureza tributária permanecem inalteradas até que haja manifestação do poder público por meio de atos normativos, estabelecendo, por exemplo, desobrigatoriedade ou extensão de prazos para cumprimento das obrigações acessórias (instrumentais) e principais (pagamentos). Por enquanto, as notícias indicam prorrogação do prazo de pagamento do FGTS, diferimento da parte da União relativa ao Simples Nacional, redução nas contribuições do Sistema S, redução do imposto de importação e desoneração do IPI para produtos médicos e hospitalares necessários ao combate da pandemia, bem como facilitar o desembaraço aduaneiro de mercadorias que tenham esse destino.

O regime de exceção instaurado no cotidiano social pode implicar em restrições de ingresso no país e/ou restrição da locomoção interna entre municípios e estados-membros, não obstante isso seja “questionável” do ponto de vista constitucional de acordo com a forma que vier a ser adotada. De qualquer forma, por ser uma situação excepcional e o Judiciário estar sensível a ela, as empresas devem antever essa possibilidade e se preparar para evitar prejuízos caso realmente se materialize essa possibilidade.

A mesma ideia de restrição serve para empresas que utilizam ou pretendem utilizar algum sistema de aglomeração pública de pessoas. Há notícias de municípios e estados-membros limitando eventos e aglomerações de qualquer espécie. Recomendamos a empresa tomar as providências necessárias para não depender de tutela jurisdicional para realizar encontros dessa magnitude.

No caso de contratos com o poder público, situações de caso fortuito e força maior devem ser avaliadas para se entender qual parte assume o ônus. Em geral, um regime de exceção que comprovadamente impossibilita o cumprimento do contrato tem o condão de mitigar a responsabilidade do particular perante o Estado, não obstante essa visão genérica somente possa ser especificada mediante uma análise individual dos termos do contrato. Recomendamos avaliar o caso concreto para decidir sobre eventual necessidade de notificar o poder público com intuito de reconhecimento do caso fortuito e força maior. Nas hipóteses de contratações públicas emergenciais, com dispensa de licitação, as empresas não podem ignorar uma análise de legalidade da conduta do ente público a fim de evitar futuramente ação de improbidade administrativa e/ou processos junto a Tribunais de Contas.

O restante das demandas judiciais pode sofrer atraso em virtude da suspensão de prazos processuais ou diminuição do trabalho forense nos órgãos do Poder Judiciário. Os contatos presenciais estão afastados, o que prejudica despachos para obtenção de liminares e demais atos presenciais.

Os desdobramentos da situação devem estar sob acompanhamento das empresas, pois medidas complementares ou particulares podem ser necessárias para resguardo de direitos e mitigação de prejuízos. Estamos à disposição para qualquer auxílio que porventura se faça pertinente.

 

REFLEXOS NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

Diante do cenário mundial relacionado à pandemia pelo COVID-19, empresas nacionais e, principalmente, multinacionais estão se deparando com situações relacionadas à dificuldade de atendimento a algumas cláusulas previstas em contratos assinados.

Devido a isso e, levando-se em consideração as consequências decorrentes do inadimplemento contratual, diversos são os questionamentos sobre a responsabilidade da parte que deixar de cumprir suas obrigações. Neste aspecto, a configuração de força maior ou de fortuito externo são algumas das possíveis previsões capazes de isentar uma das partes de obrigações assumidas contratualmente, conforme disposto no artigo 393 do Código Civil. Ocorre que, para sua aplicabilidade, é necessária a análise de cada caso concreto, especialmente quanto à data de assinatura do instrumento contratual, relevante na questão da previsibilidade do surto, além da gravidade do impacto nas empresas, relacionada ao recebimento de matéria prima e prestação de serviços, aliada, ainda, à capacidade de reação e medidas adotadas para enfrentamento desta situação.

Para os contratos já assinados, importante ser analisado se a pandemia do COVID-19 se enquadra em condições previstas no contrato descumprido ou possível de descumprimento e, caso existente tal previsão, analisar casuisticamente as repercussões possíveis, buscando, eventualmente, renegociações das previsões contratuais, na medida do possível e recomendável, mesmo que temporariamente, enquanto persistir a situação extraordinária.

Para os contratos em negociação, necessária a verificação criteriosa das cláusulas, em especial as relacionadas à viabilidade da obrigação assumida e à disponibilidade de matéria prima e mão de obra para cumprimento do contrato.

 

REFLEXOS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Os fornecedores devem disponibilizar aos seus consumidores informações claras e precisas quanto a eventuais consequências do COVID-19 em seus produtos e serviços, pois o ponto focal da relação de consumo é o da informação e publicidade.

O Código de Defesa do Consumidor prevê causas excludentes de responsabilidade, apesar da regra geral verificada em lei ser a responsabilização solidária e objetiva dos fornecedores. Devido a isso, o caso fortuito ou força maior são modalidades possíveis de serem aplicadas para fundamentar a exclusão de responsabilidade do fornecedor.

No entanto, independente do produto comercializado ou serviço prestados, é necessária adoção de práticas preventivas, no intuito de mitigar questionamentos sobre a impossibilidade de prestação do serviço ou entrega do produto contratado.

Para tanto, necessário pontuar que, se o cancelamento da entrega do produto ou prestação do serviço for realizado pelo fornecedor, este deverá restituir os valores pagos pelo consumidor ou buscar o reagendamento do serviço e entrega do produto. Já no caso de cancelamentos pelo consumidor, haverá a necessidade de avaliação do caso concreto, buscando, na maioria dos casos, uma negociação entre as partes, de forma a evitar-se o surgimento de reclamações em órgãos de defesa do consumidor ou mesmo ações judiciais. Não sendo possível a composição amigável, importante a avaliação da possibilidade de cobrança das multas contratuais, se existentes, face à eventual inevitabilidade do cancelamento. Ressalte-se que as análises hipotéticas aqui realizadas não excluem o exame criterioso de cada caso concreto, o qual pode resultar em conclusões diversas das apresentadas.

 

REFLEXÕES FINAIS

A Sartori acredita que a solução da pandemia em território nacional passa pela colaboração de todos na aplicação das medidas de prevenção de maneira rigorosa, em checar as fontes antes de dividir as notícias, evitando assim a disseminação das fake news, e em contribuir com a propagação de notícias que colaborem com a conscientização de todos.

No ambiente corporativo, a recomendação é sempre buscar respostas legais para cada um dos aspectos que surjam no cotidiano e a Sartori está inteiramente à disposição em caso de dúvidas, necessidades ou considerações.

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