Comentários à ADI 6363 – Inconstitucionalidade dos acordos individuais permitidos pela MP 936

Trata-se a ADI 6363 de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo partido político Rede Sustentabilidade com o objetivo de ver declarada a inconstitucionalidade de todas as disposições contidas na MP 936 que permitiam a redução de jornada e salário e suspensão do contrato de trabalho via acordo individual, sob o argumento de que os acordos individuais ferem direitos e garantias dos trabalhadores previstos na Constituição da República.

O relator da ADI, Ministro Ricardo Lewandowski, de plano admite parcial razão aos argumentos da REDE, ao fundamentar que a Constituição da República prevê garantias aos trabalhadores presumindo sua hipossuficiência e exigindo a presença do sindicato, pois este, em tese, garantiria a “defesa dos interesses dos trabalhadores”. Se pauta, ainda, em parecer da ANAMATRA extremamente abstrato e claramente pós-positivista, o que deixa claro que vivemos em um meio onde o ativismo judicial ainda impera, mesmo após a reforma trabalhista de 2016. Se utiliza, também, de parecer da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, cujo trabalho, em muitos pontos chega a ser louvável, mas em outros choca pelo desapego à realidade. Por fim, faz menção a orientações da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobretudo quanto a recomendações tripartites.

Argumenta o relator, ainda, que as medidas de emergência não podem deixar o ordenamento jurídico vulnerável, e o afastamento dos sindicatos das negociações tem o poder de causar sensíveis prejuízos aos trabalhadores, já que o direito do trabalho parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral.

Ao longo de toda a decisão, não há fundamentação técnica por parte do relator, que apenas se utiliza de retórica simplória para chegar a uma decisão aparentemente social e hipoteticamente protetiva ao trabalhador.

Aqui vale ressaltar que há, sim, argumentos técnicos aptos a embasar a inconstitucionalidade dos dispositivos questionados na MP 936, mas estes argumentos foram desprezados pelo Relator da ADI, pois sua preocupação real não está voltada à guarda da Constituição, mas sim uma vez mais conferir representatividade aos sindicatos, que não se legitimam ou jamais se legitimaram por meios próprios e sempre contaram com a imposição Estatal.

Na tentativa de abrandar os efeitos nefastos de sua decisão, o relator faz uma interpretação peculiar das previsões contidas na MP 936, ao entender que quando esta determina que cabe ao empregador comunicar ao sindicato da celebração do acordo, na realidade caberá ao sindicato se manifestar sobre ele, e então o acordo apenas terá efeitos após a convalidação do sindicato, cuja inércia será entendida como concordância tácita.

De outro lado, a busca por “segurança jurídica” instaurou o caos, pois há uma série de variáveis que não foram levadas em conta como, por exemplo, a simples recusa de negociação por parte do sindicato.

Inclusive, a partir do momento que a proposta de alteração da MP pelo relator é no sentido de que “deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes”, podemos entender que ainda que o sindicato exare sua discordância com o acordo, mas não abra negociações, o acordo é válido. Empresta assim, sentido, conotação e instrumentalidade, ao nosso ver, diversa ao art. 617 da CLT e do já consolidado ao ordenamento jurídico vigente.

Sob o ponto de vista da melhor hermenêutica e teleologia legal, pandemia quer dizer, em palavras mais diretas, uma série de restrições de direitos, tais como as que todos estamos vivendo com a imposição da quarentena, que nada mais é que uma forma de restrição de liberdades fundamentais garantidas pela Constituição Federal. Não seria esta também uma grave forma de inconstitucionalidade? O que se dizer com relação ao fechamento do comércio, a limitação ou interdição de viagens, o fechamento de fronteiras? É legal a proibição de aglomerações, reuniões públicas, etc? E quanto às prioridades de tratamento, a escolha de quem receberá o respirador, a quebra de patentes, dentre incontáveis outros direitos evidentemente flexibilizados neste gravíssimo momento. Curiosamente, o Ministro ocupou-se apenas e tão somente de uma das inúmeras questões reflexas, que ao nosso ver e entender alcançam interesses outros que não o coletivo e social.

Nesse sentido, a decisão do STF não ajuda, mas atrapalha significativamente, trazendo ainda mais insegurança jurídica ao já conturbado cenário atual.

O único ponto porventura proveitoso foi a celeridade da decisão, proferida no primeiro dia pós edição da MP, o que provocará uma rápida manifestação do Plenário do STF e indicará o caminho a ser seguido, pois uma inconstitucionalidade tardia poderia gerar muito mais efeitos deletérios que a própria crise que já está em curso.

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