STJ: Cláusula compromissória arbitral em contrato principal estende-se aos contratos coligados

Ao analisar uma disputa de R$ 800 milhões envolvendo a empresa Paranapanema e os bancos BTG Pactual e Santander, a 3ª turma do STJ, por maioria de votos, fixou importante precedente acerca do instituto da arbitragem.

A origem da disputa abrangeu empréstimo de R$ 200 milhões da Paranapanema junto ao Santander e BTG Pactual para restruturação da empresa. As partes divergiram quanto ao cumprimento dos contratos de abertura de crédito e dos contratos de swap.

Para a empresa, não seria possível que os efeitos da cláusula compromissória prevista no contrato de abertura de crédito atingissem os contratos de swap, pois estes tinham cláusula de eleição de foro; assim, seria ilegal o afastamento da jurisdição estatal, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro não admite que se presuma a vontade das partes de renunciar à jurisdição estatal.

No caso, o Judiciário paulista reconheceu a arbitragem, mas reputou nula a sentença arbitral diante da “inobservância de princípios basilares da isonomia e imparcialidade que viciaram a formação do painel arbitral” – diante da omissão do regulamento da Câmara quanto à indicação de árbitros em casos de multipartes com interesses distintos no mesmo polo, o presidente fez prevalecer a indicação de árbitro de apenas uma das partes. No recurso especial do BTG, alegou-se que não houve prejuízo na escolha e que, além do mais, a alegação de nulidade estava preclusa.

 Julgamento

A resolução do caso teve a participação dos ministros Salomão, Buzzi e desembargador Lázaro, da 4ª turma, diante do impedimento de três ministros da 3ª – Nancy, Bellizze e Moura Ribeiro.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino confirmou a decisão do TJ/SP, negando provimento aos recursos tanto da empresa quanto do BTG Pactual.

Conforme o voto do relator, o contrato de abertura de crédito e os contratos de swap são interligados e interdependentes, de modo que o primeiro configura o pacto principal e os demais, acessórios.

O ministro fez referência ao entendimento do Tribunal a quo de que apesar dos contratos de swap não possuírem cláusula compromissória, as obrigações decorrem diretamente do contrato de abertura de crédito, sendo assim válido o procedimento arbitral instaurado.

Tanto o juiz de 1º grau quanto o TJ/SP rejeitaram a alegação de nulidade por inexistência de cláusula compromissória e aduziram que a cláusula de eleição de foro constituía caminho alternativo e não o principal, previsto para a solução de controvérsias entre as partes, além de se encontrar perfeitamente possível a coexistência de cláusula compromissória e a cláusula de eleição de foro.”

Ao entender reconhecida a interdependência dos contratos coligados, o ministro Sanseverino concluiu pela possibilidade de extensão da cláusula compromissória existente apenas no contrato principal (o contrato de abertura de crédito) aos contratos de swap.

Adotando-se o entendimento de que efetivamente existe coligação entre os contratos entabulados entre as partes, mostra-se flagrante a possibilidade de extensão da cláusula compromissória prevista no contrato principal aos contratos de swap, eis que vinculados a uma única operação econômica.

Extraindo-se que num sistema de coligação contratual o contrato reputado como sendo o principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos que a ele se ajustam, não se mostra razoável que uma cláusula compromissória inserta naquele não tivesse seus efeitos estendidos aos demais.

Também o posicionamento adotado pelo TJ paulista de vício na formação do tribunal arbitral foi confirmado pelo relator.

Se a cláusula compromissória não poderia ser seguida à risca, a intervenção do presidente da Câmara de Arbitragem deveria ter sido feita de modo a preservar o compromisso, sem distinguir entre as partes. E o Tribunal ao julgar a apelação reconheceu a existência de prejuízo. (…) A alteração da conclusão do Tribunal acerca da existência de prejuízo quando ausente nomeação de árbitro pela parte não pode ser revista porquanto demandaria o reexame do conjunto fático-probatório.

O entendimento do ministro Paulo de Tarso Sanseverino foi acompanhado pelo ministro Buzzi e pelo desembargador convocado Lázaro Guimarães (este julgou prejudicado o recurso do BTG).

Vontade das partes

A divergência em relação ao tema arbitral foi inaugurada pelo ministro Luis Felipe Salomão. O ministro Salomão assentou no voto proferido que apensar dos contratos serem, de fato, coligados, a questão nuclear é a manifestação ou não de vontade das partes em tais contratos.

Como em um contrato de mais de R$ 200 mi permite-se a inclusão de cláusula de eleição de foro sem o esclarecimento do para que essa cláusula serviria? E se permite no contrato central a escolha da arbitragem e nos coligados a indicação de foro sem esclarecer para que serve uma ou outra? Tem que cobrar, mas tem que cobrar certo. O contrato tem que ser claro quanto a esse ponto (a manifestação de vontade).

Segundo Salomão, a jurisprudência do STJ já assentou que os contratos coligados não perdem a autonomia e individualidade que lhe são próprios, ínsitos em cada relação jurídica por eles reguladas. O ministro citou, inclusive, precedente da própria 3ª turma acerca desta questão da autonomia.

De fato, por força da autonomia e individualidade de cada relação jurídica preservada no respectivo contrato, entendo que o princípio da gravitação jurídica na forma destacada pelo relator não soluciona satisfatoriamente a controvérsia, notadamente quando o fundamento utilizado está calcado na repercussão de nulidade de um pacto sobre o outro.

O ministro asseverou que “a pedra de toque da arbitragem”, para que possa ter credibilidade e ser respeitada pelas partes, é justamente a manifestação de vontade: “Se não há manifestação de vontade, é impossível cogitar da extensão.”

Salomão citou a existência de doutrina no sentido de que a extensão objetiva da cláusula compromissória para posteriores contratos coligados, mas avançou afirmando que “não parece que a extensão deva ser automática, sem a análise de cada caso concreto”.

A arbitragem, como importante mecanismo de solução de conflitos em que os litigantes buscam a terceira pessoa, o árbitro, para solução imparcial do litígio, tem como princípio norteador a autonomia da vontade das partes, que constitui o fundamento nuclear, e autoriza os contratantes a submeter seus litígios à arbitragem. Neste ponto não há vacilo na doutrina especializada.

 Em verdade, diante da importância que a autonomia da vontade das partes assume dentro do instituto da arbitragem, qualquer análise sobre a possibilidade de se estender os efeitos de uma cláusula compromissória arbitral para posteriores contratos coligados, estes últimos com cláusula de eleição de foro, deve necessariamente perpassar pela investigação da vontade das partes.

Lembrando que o exercício da autonomia de vontade das partes tem por efeito a renúncia à jurisdição estatal, Salomão apontou ser possível a convivência da cláusula compromissória arbitral com a de eleição de foro – desde que se especifique qual vale para cada situação.

No caso concreto, o ministro concluiu que os contratos de swap, além de não conterem cláusula compromissória expressa e tampouco se reportarem expressamente à cláusula arbitral do contrato principal, ostentam cláusula de eleição de foro, a indicar a eleição das partes de submeterem eventuais litígios decorrentes desses subsequentes contratos coligados à jurisdição estatal.

A ausência de cláusula nessas circunstâncias, nos contratos de swap, impede que os litígios decorrentes de tais pactos sejam dirimidos por meio de arbitragem.

Assim, Salomão votou por dar provimento ao recurso da empresa e julgar prejudicado o recurso do banco. O voto de S. Exa. foi acompanhado pelo ministro Cueva.

Fonte: Migalhas

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