“A boa atuação do advogado no sucesso dos contratos complexos”
Por Bruno Yohan Souza Gomes, do escritório Sartori Sociedade de Advogados.
A atuação do advogado moderno não mais se restringe a pareceres teóricos, atuação reativa ou postura distante dos negócios de seus clientes. Hoje em dia é necessário que o profissional compreenda com clareza o mundo complexo em que vive e seu reflexo nos negócios, o que demanda um conhecimento cada vez maior de cada um dos seus clientes, um verdadeiro mergulho no meio empresarial. Um exemplo da nova atuação dos advogados nos dias atuais é a condução de contratos complexos. Espera-se de um profissional hoje que ele seja capaz de enfrentar e superar as diferentes, possíveis e previsíveis divergências entre as partes, sejam elas jurídicas ou negociais, pois a finalidade e expectativa maior dos envolvidos é que o contrato final seja concluído.
Suponha um cenário em que seu cliente é o fornecedor de uma membrana muito específica para ser aplicada na cobertura de um dos estádios que seriam construídos para Copa do Mundo de 2014. O material a ser fornecido tem especificidades únicas e para sua criação é necessário um rigoroso e complexo processo de fabricação, que depende sobremaneira de uma cadeia anterior de fornecedores de matérias primas. Não obstante, após a fabricação, o tempo de vida do produto até sua aplicação na cobertura do estádio é de apenas 30 (trinta) dias, sob pena de queda acentuada em sua qualidade por conta de fatores ligados aos insumos que o constitui, bem como a fatores climáticos. Outra peculiaridade importante é que o material deve ser armazenado e aplicado apenas por empresas certificadas, sendo certo que existem poucas habilitadas no mercado mundial.
Por outro lado, a empresa em questão tem de atender uma programação rígida de fornecimento do citado material, manter a qualidade em níveis próximos ao 100% (cem por cento) e entender o contexto a que está inserida (empresa subcontratada por uma das contratadas da empreiteira responsável pela obra, que é uma das sócias do empreendimento decorrente de concessão pública), sob pena de sofrer uma série de penalidades contratuais diretas (oriundas do contrato de fornecimento), bem como indiretas (decorrentes dos demais contratos existentes em toda a cadeia que ampara a construção do estádio).
Se antes, uma realidade como a exposta envolvia tão somente administradores, economistas e operadores logísticos, hoje em dia a presença de um advogado preparado e que dialogue com outras áreas de negócios também se tornou imprescindível. Para tanto, não basta conhecimento técnico-jurídico, que obviamente é essencial; é preciso também navegar por disciplinas variadas do mundo jurídico e demais áreas de conhecimento, além de ter postura criativa, inovadora e flexível. Fator preponderante para superar entraves negociais e mitigar riscos jurídicos e operacionais será a atuação como negociador em muitos momentos. O domínio isolado da teoria e da dogmática jurídica, por outro lado, não mais parece dar conta das demandas contemporâneas. Não basta ao profissional do direito conhecer suas fontes formais, limitando-se às proposições hipotéticas do ordenamento jurídico posto. Ele também precisa conhecer as consequências (psicológicas, econômicas, sociais) e o contexto das condutas regradas. Nesses âmbitos, os fatos podem se apresentar de forma desordenada e até caótica.1
Além disso, como forma de dar conforto jurídico e negocial aos envolvidos, é essencial que os advogados tenham a cautela de documentar o entendimento em relação a cada ponto da negociação, seja para simples memória (para evitar que sejam revisitados pontos já discutidos e assentados), ou para avaliação futura do comportamento das partes (em vista das respectivas responsabilidades, no caso de não ser celebrado o contrato definitivo). A elaboração de instrumentos de confidencialidade, memorando de entendimentos e contratos preliminares podem servir muito bem, dependendo da situação fática que se apresenta. A sistemática formalização das tratativas, em especial por meio de instrumentos cada vez mais robustos de acordo com a evolução do negócio, serve para que as partes tenham condições mínimas de abrirem as informações com segurança e confidencialidade e também possam assegurar que o negócio irá se performar no futuro.
Outro ponto imprescindível que os advogados têm de ter em mente na construção de contratos complexos, sobretudo para alertar para as partes envolvidas, quando necessário, é que todo o caminho percorrido desde as tratativas iniciais até a instrumentalização final do contrato estará revestido e alicerçado nos princípios da probidade, boa-fé das partes (dever de conduta compatível com os fins econômicos e sociais pretendidos), segurança jurídica e função social do contrato. O ponto em questão é de suma importância, pois o legislador brasileiro, quando da consagração no Código Civil dos citados princípios como norteadores das relações contratuais, foi sensível e entendeu que a formação de um contrato é um processo dinâmico em que o comportamento das partes está estreitamente vinculado às expectativas que as partes têm quanto à sua conclusão. Entendeu, também, que mencionada expectativa, por outro lado, não é e não pode ser meramente subjetiva, mas deve ser avaliada, no caso concreto, a partir do comportamento havido pelas partes durante a negociação e também pelas práticas médias adotadas no mercado em questão, buscando assim evitar comportamentos oportunistas.
O advogado moderno, portanto, não deixou para trás as qualidades já existentes outrora, como notável saber jurídico, reputação ilibada e zelo com os assuntos de seus clientes. O que ocorre hoje é que as relações negociais alicerçadas por uma gama de contratos complexos estão presentes no mundo jurídico em escala exponencial, o que exige dos profissionais três pré-requisitos mínimos: 1 – conhecimento técnico-jurídico para enfrentar e superar os entraves dessa natureza e avaliar riscos; 2 – visão “para fora” (conhecimentos que vão além dos limites do mundo estritamente jurídico); 3 – visão “para dentro” (conhecimentos detalhados do nicho de negócio do cliente, como se do negócio participasse como sócio).
O profissional denominado advogado é hoje um solucionador de problemas e um realizador de negócios.
1 Mario Engler Pinto Junior, Pesquisa Jurídica no Mestrado Profissional(2015), texto em elaboração.